Com a epidemia do novo coronavírus, a organização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, no Japão, enfrenta desafio semelhante ao vivido quatro anos atrás pelas autoridades brasileiras. Em 2016, o Brasil lidou com a crise do vírus da zika meses antes da Olimpíada do Rio de Janeiro.
A atual epidemia na China já afetou as competições classificatórias olímpicas de esportes como futebol e basquete. Além disso, o Sars — um irmão do novo coronavírus — levou a Fifa a mudar a sede da Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2003 (leia sobre esses assuntos mais adiante na reportagem).
Por causa do zika, em 2016, um grupo de cientistas chegou a pedir o adiamento ou o cancelamento dos Jogos Olímpicos. Além disso, após estudos concluírem que o vírus causava mesmo microcefalia em bebês, autoridades internacionais recomendaram que atletas grávidas não viajassem ao Rio de Janeiro para evitar os riscos da malformação.
Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, porém, transcorreram dentro do calendário previsto. Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nenhum atleta pegou zika durante a Olimpíada.
E há risco de cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio?
Não há, ao menos oficialmente, risco de cancelamento dos jogos, que começam em 24 de julho. O Comitê Olímpico Internacional (COI) diz que não cogita adiar, transferir a sede ou mesmo cancelar a Olimpíada deste ano. E, apesar da declaração de emergência internacional para o novo coronavírus, a OMS também não emitiu nenhum alerta em relação aos Jogos de Tóquio.
A preocupação, entretanto, existe. O diretor do Comitê Organizador dos Jogos de Tóquio, Toshiro Muto, admitiu estar “seriamente preocupado” com a epidemia do novo coronavírus na China. Embora quase todos os casos fatais de Covid-19 — nome oficial da doença — tenham se concentrado em território chinês, o temor se agravou depois da confirmação da primeira morte pelo vírus no Japão.
O médico Juvêncio Furtado, infectologista chefe do Hospital Heliópolis em São Paulo, afirma que um adiamento deverá ser considerado se o número de casos no Japão aumentar muito nos próximos meses. Porém, o especialista não acredita que isso vá acontecer.
“Apesar do anúncio tardio da China sobre a doença, houve tempo para que os países tomassem medidas. E o Japão historicamente tem essa preocupação de conter epidemias antes que cheguem ao país”, analisa Furtado.
Quais medidas o Japão tem tomado?
A epidemia na China levou Tóquio a tomar medidas contundentes para evitar a transmissão do novo coronavírus. Além da proximidade geográfica, os chineses são a nacionalidade que mais visita o Japão — em 2018, eles representaram 26,9% de todos os visitantes, segundo dados do governo japonês.
O Japão também cancelou, por precaução, as festas públicas do aniversário do imperador Naruhito. As inscrições da tradicional Maratona de Tóquio — que deveria ser um aperitivo dos Jogos Olímpicos — ficaram restritas aos competidores de elite para diminuir riscos de contaminação pelo novo coronavírus por turistas estrangeiros.
Em outra medida drástica, as autoridades japonesas mantiveram em quarentena um navio de cruzeiro com centenas de turistas estrangeiros. Mais de 600 passageiros foram diagnosticados com o novo coronavírus durante esse período. A embarcação está parada no porto de Yokohama, cidade que sediará jogos de futebol, softbol e beisebol durante a Olimpíada.
Para o infectologista Juvêncio Furtado, as medidas tomadas pelo Japão são necessárias. “Nesses casos, isolamento é sempre o melhor meio. Quando você tem uma doença respiratória como essa, você tem que isolar as pessoas”, afirma.
“A situação da China foi mais difícil, porque precisou isolar uma cidade, uma região inteira”, aponta o médico.
Embora dados mostrem que 80% dos casos de infecção pelo novo coronavírus são leves, o infectologista ouvido pelo G1 acredita que as medidas rigorosas estão corretas.
“Talvez até pareça exagerado, mas é melhor exagerar. Se o vírus fura o bloqueio, a epidemia se torna pior”, afirma Furtado.
Quais as consequências do coronavírus para os Jogos?
Mesmo com as precauções por parte do Japão e com a garantia de que não haverá adiamento, a epidemia do novo coronavírus já afeta os Jogos Olímpicos de Tóquio.
Alguns eventos esportivos na China que valem vaga para a Olimpíada precisaram ser adiados ou ter a sede trocada. Houve também equipes que desistiram de participar dos classificatórios. Veja abaixo alguns exemplos:
– Basquete: um dos grupos do Pré-Olímpico feminino teria jogos em Foshan, na China. Sede foi transferida para Belgrado, capital da Sérvia;
– Boxe: A cidade de Wuhan — justamente o epicentro da epidemia — receberia um dos classificatórios para a Olimpíada. Etapa agora ocorrerá em Amã, na Jordânia;
– Futebol: sede de um dos grupos do Pré-Olímpico feminino também seria em Wuhan e foi trocada para Sidney (Austrália);
– Handebol: A China não mais participará do Pré-Olímpico feminino da modalidade. O time de Hong Kong foi chamado para ocupar o lugar, mas também recusou e será substituído pela equipe da Tailândia.
Zika e coronavírus
Embora ambas as epidemias tenham lançado dúvidas sobre organização dos Jogos Olímpicos, há diferenças consideráveis entre a crise do zika e do novo coronavírus, disseram médicos ouvidos pelo G1.
A principal delas, explica o médico Pedro Luiz Tauil, do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília (UnB), é a forma de transmissão. O novo coronavírus pode passar de pessoa para pessoa pelo ar, enquanto o zika é transmitido pelo Aedes aegypti ou sexualmente entre humanos.
“No caso do novo coronavírus, o que se pede é para evitar aglomerações que facilitem a transmissão”, explica Tauil.
Outra diferença apontada pelo professor da UnB é o grau de conhecimento sobre os dois vírus. “O zika já era conhecido e veio parar no Brasil. Esse novo coronavírus, porém, é novo, uma mutação”, explica Tauil.
Além disso, as autoridades de saúde estavam otimistas antes da Olimpíada de 2016 com a diminuição nas transmissões do zika com a chegada do inverno brasileiro. Embora a estação não tenha temperaturas tão baixas na maior parte do Brasil, o número de mosquitos realmente diminuiu no país.
‘Irmão’ do coronavírus cancelou Copa Feminina
Em 2003, a epidemia do Sars na China — um outro tipo de coronavírus — levou a Fifa a cancelar a Copa do Mundo de Futebol Feminino prevista para o país asiático naquele ano. Às pressas, o órgão transferiu a organização do torneio para os Estados Unidos, que havia sediado o evento quatro anos antes.
Segundo comunicado divulgado em maio de 2003, a Fifa ouviu especialistas da OMS para tomar a decisão. Para compensar as autoridades chinesas, a entidade do futebol pagou US$ 1 milhão à China e prometeu que o país organizaria a Copa do Mundo Feminina seguinte, em 2007 — o que acabou se concretizando.
A epidemia do Sars deixou mais de 900 mortos entre 2002 e 2003, segundo dados da OMS. Tanto o Sars quanto o Covid-19 são causados por vírus da família “coronavírus”, e recebem este nome porque têm formato de coroa.
Fonte: G1